Segredos da Lua, parte I

Nota: Olá! Este conto faz parte do projeto Um mês, um conto (acompanhe no instagram aqui) que consiste em escrever um conto sobre um determinado gênero em um mês (leia outros contos do projeto aqui). Tive a ideia para essa história faz um bom tempo, mas nunca cheguei a colocar no papel, eis que resolvi escrever motivada pelo projeto e acabei gostando do resultado. Serão três partes do conto e esta é a primeira delas. Espero que gostem e boa leitura!

Sinopse: Uma pessoa esconde muitos segredos... E Lua sabe muito bem disto, pois esconde até seu nome das pessoas da Vila do Ipê-Amarelo. O que ela não esperava é que muitas coisas podem mudar após uma noite de outono.


Tomei um gole do meu champagne, observando a noite desta cidade interiorana. A janela da sala de meu apartamento fica no quinto andar do prédio e de frente à praça principal da cidade, então é possível ver o movimento das pessoas. Engraçado que, em todos estes anos, morei em vários lugares e em diferentes épocas, mas nada é como a Vila do Ipê-Amarelo.


Ignoro meus longos cabelos descoloridos no reflexo, bem como a minha cara de poucos amigos e me concentro nas pessoas lá fora, detalhando seus semblantes e montando histórias em minha cabeça sobre o passado de cada uma.


Não sei dizer se é a atmosfera acolhedora, se é o ar de mistério que a cidade tem, as pessoas que tem muitos segredos atiçando a curiosidade de todos ou simplesmente o fato de que você encontra bebida barata aqui.


Hoje é um dia de outono, então as árvores não estão muito floridas e o clima mais ameno faz com que as pessoas saiam com seus casacos mais aconchegantes. Nunca tive muito problema com frio e muito menos com calor, mas a questão de adaptação com seres humanos vivos depende de observar o clima todas as manhãs para saber o que vestir.


Um dos problemas de ter a audição mais apurada – mesmo conseguindo desligar temporariamente – é a quantidade de informações que você escuta. Como a cidade tem uma universidade, consigo ouvir jovens comentando sobre a prova que tiveram algumas horas antes de Cálculo Avançado. Também consigo ouvir crianças eufóricas, brincando umas com as outras e falando “você não me pega”. Homens e mulheres no bar localizado na esquina, celebrando o aniversário do chefe da empresa que acabou de pedir um Billecart-Salmon para a mesa. 


Então presto atenção em um casal de mãos dadas. Um policial alto, com cabelos castanhos curtos e cacheados, aproximadamente com 30 anos de idade e uma mulher, mais baixa que ele – mas ainda assim alta –, com grandes cabelos ruivos alaranjados e encaracolados. Eles estavam fazendo planos para o casamento, já que a mulher descobriu que estava grávida recentemente e eles estavam ansiosos para ver a cara da criança nos próximos exames de imagem.


Tomei mais um gole, sentindo uma pontada em meu coração. Em uma época tive um namorado. A primeira pessoa que me fez querer desistir da imortalidade. Ele era investigador em Londres, assim como eu naquele momento. O nome dele era Aaron Brooke, tinha cabelos pretos que iam até o queixo. Seus olhos acinzentados escondiam muitos mistérios – e eu queria solucionar todos eles. 


E o que mais me encantava é que não era somente sua beleza física que me atraía. Sua inteligência, seu carisma e charme naturais me deixavam cada vez mais acolhida, o que me deixava cada vez mais interessada nele. Já ele amava a forma de como eu tinha várias camadas e sempre que ele descobria uma nova Clarisse Moss – nome que escolhi naquela época – via o brilho em seus belos olhos ficar mais intenso.


Fui tomar mais um gole, porém constatei que a taça estava vazia. Enfim, que se dane a taça. Deixei-a na minha mesa de centro triangular, feita com carvalho escuro reforçado e peguei a garrafa do meu Dom Perignon e tomei um gole longo direto da boca. Uma bebida extremamente cara que com certeza absoluta não deveria ser bebida desta forma, mas o momento merece. Lembrar de Aaron é doloroso, principalmente porque não pude me despedir dele. Ele morreu em uma investigação que deu errado e tomou muitos tiros, resultando em um caixão fechado.


Eu o conheci em 1980 e ficamos juntos até 1982, quando ele faleceu. O mais doloroso foi limpar as coisas em nosso apartamento e descobrir que ele iria me pedir em casamento ao encontrar a aliança no terno que ele sempre usava. Infelizmente acabei perdendo o anel ao sair do apartamento, mas mantive seu terno ao meu lado por cinco anos, quando resolvi sair de Londres e tentar uma vida nova em Melbourne.


A vantagem de ser uma vampira que ganhou a vida aplicando golpes em homens muito ricos de 1800 até 1970 tem suas vantagens financeiras. E quando a vampira tem o poder de criar ilusões para confundir a mente de mais pessoas para que consigam até esquecer dela, a brincadeira chega a ficar até sem graça.


Ri com meus pensamentos. Depois de uns anos, você começa a brincar com os humanos, criando várias personalidades e atuando com elas, apenas por diversão. Desde aquela época até hoje, tive muitos nomes – Dorothy Roberts, Karin Spencer, Liberty Summers, Clarisse Moss e muitos outros – além do que estou usando atualmente, Karina, ou, como me apelidaram, “Nina”, Vanderbloom. Cada nome tinha uma personalidade e uma nacionalidade diferente. Dessas que citei, Dorothy era a bombeira canadense forte, que não aceitava ouvir um “não”; a francesa Karin era uma mulher de negócios que conseguia levantar uma empresa de sucesso do absoluto zero; já Liberty foi uma das que mais fui sem criatividade em sua personalidade, pois era uma estadunidense nascida no dia 4 de julho. Doce e amigável, era uma verdadeira princesa de contos de fada, a típica garota americana.


Clarisse foi a que mais sofreu alterações em sua criação. Tive que passar muito tempo em Londres para adquirir o sotaque da investigadora que sabe atirar como ninguém. Por mais que eu saiba atirar muito bem – treino com arco e flecha desde antes da imortalidade –, não consegui adquirir o sotaque britânico, mantendo o sotaque do interior da Europa. A personalidade dela é muito parecida com a de Karina, só mudou realmente o nome.


Já Karina... Ela começou a ser formada quando eu saí do Brasil pela primeira vez roubando um barco – e matando os piratas que estavam nele – e parei na Itália com minha mãe e meus irmãos. Felizmente o timoneiro era o meu melhor amigo que trabalhava em uma família de navegantes, então ele sabia muito bem o que estava fazendo com aquele barco. A única diferença entre mim, Nina e Clarisse é a intensidade. Nina e Clarisse não demonstram fraquezas, são feiras de aço. Nada consegue as atingir, pois elas permanecem impassíveis.


Já Lua... Ela chora no banho para esconder a fraqueza. Clarisse chorou apenas no velório de Aaron. Já Lua chorou por duas semanas e demorou mais de um ano para superar. 


– Lua. – Ouvi uma voz familiar me chamando. Apenas uma pessoa sabe o meu verdadeiro nome – Você está bem?


Meu irmão faleceu anos após desembarcarmos na Itália por problemas de saúde e, graças a minha árvore genealógica extremamente complexa, ele aparece para mim, como se fosse o grilo falante do Pinóquio. 


– Só estou pensando um pouco em tudo e em nada ao mesmo tempo, Sol. – Respondi, olhando para o espectro do meu irmão – Você sabe que eu fico pensativa e quieta, principalmente com álcool puro.


– É estranho te ver relaxada assim. Fazem o quê, cem anos que você fica tranquila assim?


– A imortalidade fez isso comigo. – Ri de forma sem graça – E eu sei que agora está calmo para acontecer alguma coisa daqui a pouco. Muito provavelmente eu já chamei a atenção de vampiros que não gostam de mim e estão apenas esperando o momento certo para me atacar.

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